28 abril 2006

Filosofações: Salgadinhos e igrejas carentes

Continuando a série do mercado, minha mãe estava contando, curiosa, de uma cena que ela viu: Uma senhora, com duas filhas pequenas no mercado. Uma deve ter algo em torno de 6 anos. A menorzinha, apenas 3. E a mãe comprou dois sacos de salgadinhos, desses da Elma Chips. Criança adora qualquer coisa gostosa, e quando ganha algo assim, entra quase em êxtase. A caçula, toda feliz, comentava com a irmã: "A mamãe disse que a gente vai poder comer hoje à tarde, lá no portão!". E ela vibrava, quase esfregava as mãos de contentamento.

Fico pensando sobre isso, e sobre um monte de coisas. Uma delas é o resultado de uma pesquisa, dizendo que a população pobre não sabe economizar, e quem tem um pouco mais de dinheiro no bolso corre atrás do mais barato. Alguns irão discorrer que os pobres trabalham em 10 locais diferentes, logo não tem tempo de procurar e pechinchar, ou que estão cansados demais para isso depois de um dia cansativo de trabalho (ou vários). É, pode até ser, em alguns casos. Mas eu penso diferente, e existem duas possíveis causas, na minha opinião. Abaixo elas aparecem, meio bagunçadas. Mas aparecem.

Normalmente, a pessoa mais pobre é aquela que não teve oportunidades na vida, e não aproveitou bem os estudos que teve. Logo, tem um tempo investido na escola menor do que a classe média. Isso é fato. Não é via-de-regra, mas apenas uma constatação, de que isso ocorre mais do que de costume. Lamentavelmente. A pessoa mais pobre não tem talvez o desenvolvimento necessário para perceber que nem sempre a marca do produto é tudo que diz. Claro, tem gente que tem algum dinheiro e se prende à marcas, produtos e chancelas.

Meu avô, por exemplo, sempre foi mestre em arrotar grandeza, tendo pouco e aparentando ter muito, gastando nas "bananas tratadas" da feira que custam o dobro, e nos "bacalhaus de três dedos" (de espessura), fora as caixas de vinho importado. Isso, morando numa casa dada pelo sogro dele, e que levou uns 30 anos para fazer a primeira pintura. Não porque não precisava, mas porque isso não era importante. Ora, ternos arrumados e buraco aparecendo o reboco dentro de casa... Não eram fatos congruentes. Eu não sei se vou viver amanhã... Eu sempre ouvi isso. E com 88 anos, continua lá, em pé.

Mas, voltando aos pobres: Muitos se prendem às marcas por segurança. Estão acostumados, ficam naquelas mesmas marcas, sem aproveitar, pesquisar e pensar a respeito. Ora, por que comprar aquela farinha de trigo, de R$ 1,30 o saco, se posso comprar uma outra, num saco igual e também de qualidade, a R$ 0,90? É só esticar a mão para o lado. Mas muitos não querem, ou não páram para pensar nisso, do que estão fazendo. Lembrei também de um colega de laboratório na UFRJ (LabMA), morador de Copacabana, casado, professor em cursos de certificação (acho que da Micro$oft), dizendo numa lista de discussão de que ele vai no mercado mais barato, e está sempre pesquisando preço.

Tem outra coisa que penso também. Quando essa pesquisa passou na televisão, uma repórter do telejornal que comentava entrevistou entre outras pessoas, uma senhora gorda e pobre no supermercado. Ela respondeu à pergunta: "Pelo menos a gente que é pobre tem que comer bem". Comer bem... O que é comer bem?

Se comer bem é alimentar-se da logomarca e da embalagem, então vai ter uma indigestão, porque não é isso. Mas o problema aí mascara um outro, que é generalizado: baixa auto-estima. Comem do produto mais caro para sentir-se gente.

Exemplificando: Um grande amigo meu, antes de casar-se, era membro de uma grande igreja batista, aqui no Rio. Cansado da igreja grande, resolveu ele frequentar uma congregação da igreja (congregação, para quem não entende, é uma igrejinha filha da outra igreja), que ficava no alto de um morro, no mesmo bairro. Ele e alguns outros amigos davam um duro danado naquela igrejinha, ajudando o pastor e alguns poucos diáconos, com a membresia local.

Mas o que era curioso, era que várias das pessoas da comunidade que professavam a fé cristã protestante, desciam o morro, passavam na porta da igreja e iam até a avenida principal, onde igrejas maiores e mais luxuosas estavam colocadas. Alguns membros até deixaram a igrejinha do alto do morro para ir para as igrejas do asfalto. Alguns desses desciam o morro em busca dos milagres de Deus, enquanto que a igrejinha falava na verdade do Deus dos milagres. Muitos com certeza iam atrás de uma solução mágica e rápida para os seus problemas, coisa que muitos picaretas travestidos de pastores vendem hoje em dia.

Mas muitos desciam para a avenida, com a sua melhor roupa, para ir às igrejas maiores, porque lá eles iriam se sentir mais gente. Lá eles não seriam favelados, mas pessoas como quaisquer outras. Sentariam do lado das pessoas que moravam "no asfalto". Tudo apenas por baixa auto-estima. É bem provável que a igrejinha lá do alto do morro saberia entender melhor a sua dificuldade. Alguns dos diáconos moravam no morro também. O pastor estava sempre por lá. Sendo uma comunidade menor, a essência do evangelho seria percebida: No olhar de um irmão, no sorriso de uma irmã, no ombro amigo e no conselho, na oração e na comunhão sentimos o que é ter "o Senhor conosco". Mas... Preferiam ir lá e serem mais um tijolo no muro. A coisa chegou a tal ponto que o pastor queria levar a igrejinha para o asfalto também. E aí esse amigo meu começou a frequentar a igreja da namorada, que virou noiva, que virou esposa... E não sei mais o destino da igrejinha.

É... Muitos por aí estão preocupados em comer salgadinho no portão, para que os colegas e vizinhos vejam que comemos salgadinho. Mas não percebem que a auto-estima está tão baixa, que não caberia nem no fundo daquele saco vermelho e colorido.

É... Ser humano é difícil. Tem misericórdia.



Soluções? Deixa para depois, outro propõe. Eu só estou diagnosticando o problema, não resolvendo-o...

0 Comments:

Postar um comentário

<< Home