30 novembro 2005

Amor demais

Eu espero nunca amar alguém tanto quanto meu pai ama minha mãe. Chocante essa frase, não? Tem uma explicação, vou fazê-la abaixo:

Acho que nunca vi um casal que se dá tão bem quanto meus pais. Difícil, são 33 anos de convivência, e eu estou dentro da casa, vejo o dia-a-dia, conheço-os bem, mais do que nos dias de festa. É fato que eles são um casal 20, aliás, como já foram chamados no passado (sim, alusão àquele seriado). Não vou detalhar, deixa para lá, aqui não é para fazer propaganda.

Mas então, o que essa frase tem de complicada? Hoje eu coloquei o relógio para tocar às 7:30, pois pretendia ir nadar. Ótimo. Mas eu fiquei corrigindo prova até as 2 da manhã, lançando e fechando tudo. Bem... Eu não iria conseguir acordar às 7:30, e fui dormir. Deixei o relógio tocar, na tênue esperança de que talvez eu conseguiria acordar para ir. Chegou a hora, o relógio tocou, pulei da cama, desliguei-o (ele está em cima de um dos monitores dos meus MSX), mas voltei a dormir. Pensei: vou nadar às 9:10 (aliás, pretendo ir assim que eu acabar esse texto).

Levanto uns 45 minutos depois, debaixo de uma bronca daquelas, do meu pai. Logo entendo o motivo: O relógio acordou minha mãe, a uns 5 metros de distância (e 2 portas fechadas no caminho). Ela, que tem um sono levíssimo, acorda por qualquer motivo. Eu deixei o relógio tocar, ela acordou e demorou a dormir depois. Bem, ela acordou uns 30 minutos antes do horário, e ir para a academia não requer que ela acorde para um café da manhã (eu troco de roupa e vou em jejum).

Discutimos. Eu não sou boa pessoa também, se gritam comigo eu também grito. E lá foi a discussão de dois cabeças-duras e gritões, sobre o assunto. Daí falei do sono leve dela, que isso no fundo me preocupa. E ele, aos gritos, dizendo que isso não tem nada a ver. Me entristeci, por ver que o senso crítico dele para com ela é nulo, e isso não mudou ao longo dos anos.

O que me entristece é que ele nunca discorda dela. Ela está sempre certa. Para ele, amar é sempre concordar, aceitar, apoiar... Eu aprendi (com ela também) que nem sempre é assim, amar não é uma anulação de personalidade. Ela, ao contrário, discorda um bocado dele, mostra-se muito mais independente (e por isso também é admirada por mim), não quer ouvir só elogios sempre, pelo contrário. Um exemplo: quando ela prega lá na minha igreja (e ela prega muito bem), ela sempre pergunta a minha opinião: Se foi boa, onde poderia ter sido melhor, se foi longa... Eu sempre comento, falando o que achei, que poderia ter cortado isso e aquilo, que ficou boa, comento coisas boas, que eu gostei... Ela desistiu de perguntar para ele, a resposta sempre é a mesma: "Foi ótimo, querida, como sempre". Não sei se é mais fácil dizer isso, ele acha isso mesmo ou não tem senso crítico. (apostas?)

Por isso digo que não quero amar alguém como ele a ama. Porque amar demais não é se anular, sumir na presença do outro. E a anulação que eu vejo às vezes acontecer da parte dele me assusta. Ele sempre toma as dores dela, embora na maioria das vezes ela saiba se defender tão bem quanto ele (em alguns casos, até melhor). Ele sempre tenta preservar ela de tudo, e ela, logo ela, que é mais forte do que aparenta (e ele sabe disso). Ele às vezes tenta esconder os problemas (estamos com uma chateação em família que eu não contei, mas depois eu conto), para preservá-la, e ela, nem aí, se ficar ansiosa, vai orar e pedir calma a Deus. Ele é ciumento demais (talvez por ela ser tão preciosa para ele, que ele não quer nem ouvir falar da possibilidade de perdê-la - e a chance é nula), e ela ainda conta, rindo, quando um senhor de meia-idade olhou para ela na rua, divertindo-se com o fato de sendo uma senhora, ainda atraia olhares (como ela mesmo diz: "Já deixei de ser princesa, agora estou mais para rainha-mãe!"). Chega a ser engraçado, ela não fala dos namorados que ela teve antes dele, pelo menos na frente dele.

Na questão do relógio? Ela falou comigo, nem reclamou, só comentou: "Teu pai está reclamando do relógio, que me acordou..." Mas nem resmungou comigo. A vontade que me dá é virar e dizer para ele: "Bem, deixa que a mãe reclama comigo, não precisa tomar as dores dela". Mas aí é que a casa cai.

E como diria o Titãs: "Família...".



Já falei mais de uma vez que minha mãe tinha que ir ver esse problema do sono. Minha rua é silenciosa, mas se o vizinho tosse na casa ao lado, o cachorro late na rua (e são uns 10 metros de distância na horizontal), ela acorda. Mas ela acha isso um troféu, eu acho que ela precisa conversar com um médico (ela tem pavor de tomar um calmante que seja).

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