08 dezembro 2006

Filosofações: Sobre manteiga e justiça

Estão fazendo uma celeuma danada sobre a empregada doméstica que foi presa por roubar manteiga para matar a fome do filho. Resolvi me informar sobre o caso, pois muita injustiça ocorre nesse nosso Brasil...

Vale a pena relatar duas injustiças recentes que ocorreram por aqui. A primeira foi bem recente: Uma mãe foi acusada de matar filha com mamadeira de cocaína. A suspeita foi presa, e levou uma surra daquelas dentro da carceragem feminina. Foi solta, mas voltou à prisão. Agora foi provado que a mamadeira do bebê morto não tinha cocaína, diz laudo da perícia. A mãe, aos prantos, chorava na televisão, dizendo que ela não era louca, de matar a própria filha. Nem a própria família dela acreditava na culpa dela. Bem, parece que ela sofreu uma injustiça, e daquelas. Agora, o que matou a criança? Não sabemos. A minha revolta faz eco com o que eu vejo nesse link aqui, no Yahoo!. A pobre coitada está em depressão, teve perda de visão, tomou uma "surra de gato morto", xingada e difamada por todo o país... E agora, se ela for realmente inocente, é simplesmente um Foi mal? Muitos criticam a imprensa, a ação dela, a necessidade de fontes seguras... Mas isso não vende jornal, né? Eu critico isso depois.

A última, mais antiga, dá pena de lembrar: Lembram do casal dono de uma escola em São Paulo, acusados de pedofilia? Uma criança falou um monte de coisas, dizendo que tinham sido molestadas sexualmente. A escola foi apedrejada, o casal foi difamado, sua vida foi destruída. E depois, foi provado que era tudo mentira. E agora... Foi mal?

Fui olhar a situação, tentando ser frio (bem a lá freakonomics). Bem, começando...


  • Manteiga não mata fome de ninguém. O que mata a fome é pão, é comida. Criança come pão puro quando está com fome (eu já comi várias vezes, quando criança), mas manteiga é o complemento, o acessório. Lembro de um episódio dos Simpsons quando a Lisa conversa com o Reverendo Lovejoy (o R. R. Soares estadunidense), conversando sobre uma pessoa que roubou um pão, e se isso era pecado. O Reverendo respondeu: "Não. Mas só se for sem geléia". Não sei exatamente a fala, mas era algo assim. E eu fico pensando... É, faz sentido. O pão era uma necessidade, o pão com geléia (ou margarina, ou manteiga, ou o que for) era um requinte.
  • Sejamos francos: Seria o dono do mercadinho uma pessoa com um coração tão duro, que negaria um pão para uma jovem que queria matar a fome do seu filho e da sua mãe doente? Eu duvido, por mais que tenha muita gente safada em várias profissões - incluindo comerciantes - eu duvido muito. Ainda mais sendo moradora da região, e como todo "bom" comerciante está presente no seu negócio (o olho do dono é que engorda o boi), ele conhecia a moça de vista.
  • O próprio comerciante falou que:

    1. A moça andava com uma turma da pesada, que já tinha assaltado vários comércios pela região, incluindo esse mercado onde ela foi detida. Tinha fama de baderneira.
    2. Quem sustentava a criança era a mãe dela, que estava doente por ocasião do delito, e que a mãe é que era empregada doméstica.
    3. A moça, tão pobre e indefesa, já tinha ameaçado ele de morte outras vezes, em companhia da turma dela.


Se coloque no lugar do comerciante: Você não faria o mesmo, denunciaria e pediria ajuda?

Segundo essa matéria do Estadão, 1/3 das presas no Cadeião de Pinheiros, em São Paulo, estão detidas por pequenos delitos. Bem, eu acho que está certo, roubou, tem que ser preso, e a lei deve ser cumprida. Mas antes de vocês me queimarem em praça pública, deixa eu finalizar o meu pensamento.

Delitos pequenos requerem penas pequenas. Delitos grandes requerem penas grandes. Se roubou uma maçã na quitanda, ou US$ 100 milhões da Previdência Social, é roubo, e deve ser punido. Claro, quem roubou uma maçã deve ter uma pena leve, curta, que seja educativa. Quem lesou os cofres públicos tem que devolver o que roubou e sofrer uma pena muito maior. E é claro, a sensibilidade do juiz é fundamental.

No tempo de Jesus Cristo, os fariseus eram o "partido político" dominante. Eles eram por demais zelosos pela Lei mosaica (isto é, dada por Moisés ao povo hebreu), e tinham tantos rituais e regras, que acabavam atrapalhando mais do que ajudando. Jesus sempre enfatizou que a lei foi feita para o homem, e não o homem se amoldar à lei. Os fariseus amavam mais a lei de Deus do que o Deus da lei. E por isso tantas distorções, como aquela passagem que Jesus cura um homem com uma mão atrofiada, e a crítica dos fariseus era que não era lícito curar num sábado. Ora pombas, o homem foi curado! Por quê se prender a essa filigrana, essa "perfumaria"? E várias, e várias, e várias passagens estão por aí, como os discípulos que cataram espigas de milho caídas no chão e comeram (ao atravessar um milharal), e tanta outras. Se ler os Evangelhos, lá tem vários desses momentos.

Voltando ao caso: O juiz deve ser sensível à situação. Será que o juiz não tem coração, negando 5 vezes o pedido de liberdade dela? Ou será que ele é um fariseu, pura e simplesmente, dizendo a todo tempo: "a lei tem que ser cumprida". Porque se for assim, todos nós, cidadãos de bem deveríamos passar pelo menos uns 2 anos na cadeia, por conta de todos os pequenos delitos que cometemos. Muitos de nós furtaram um doce num supermercado. Todos que dirigem já avançaram algum sinal (muitos continuam avançando todos). Muitos (senão todos) pirateiam programas de computador, compram CDs piratas e DVDs de qualidade duvidosa com o camelô da esquina (aqui perto já tem Os Infiltrados, do Scorcese). Todos nós já cometeram pequenas faltas, delitos e contravenções, que se fossem levadas ao pé da letra da lei, deveríamos ser presos e cumprir pena. Nós todos, inclusive os juízes.

Sei lá, eu acho que por baixo dessa história tem mais coisa, ser presa única e simplesmente por causa de um pote de manteiga... Que me desculpem quem está fazendo papel de grupo de defesa dos direitos humanos, que só aparecem pelo lado do bandido e do ladrão, mas eu acho que aí tem coisa.



E vale pelo menos a leitura dessa entrevista aqui, o jornaleiro que agora não vende mais a revista Veja. Gostei.

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