Gostaria de abrir esse post apenas definindo o filme com uma palavra:
perturbador.
Vamos ao filme. Spoilers liberados, se não viu, pule esse post e vá para outro.
Como não poderia deixar de ser, fui ver "Cavaleiro das Trevas" ansioso. Afinal, Batman é o meu herói favorito, e o preferido por parte dos leitores da
DC Comics (pelo menos, quem vende mais quadrinhos). Fui ver hoje, numa primeira sessão do
cinema que tem no
Bangu Shopping (sala boa, preço bem em conta, R$ 5 - recomendo), e saí... Impactado.
O filme joga o velho maniqueísmo de heróis bons versus vilões maus por terra, e o que mais traz é desesperança. É quase anti-cristão, o filme... Por trazer desesperança. Não há como ter dias melhores. Não há como ter salvação para Gotham. Em um dado momento, Bruce Wayne sonha em ter uma vida normal, não mais ter que ser o Batman... E isso tudo desmorona. Parece uma sina, a dele. E essa desesperança (nada de um
escoteiro azul para salvar o dia) vem tingindo o que era preto e branco com incontáveis tons cada vez mais escuros de cinza, cada vez mais próximos do preto, a ausência de todas as cores. Meus sinceros parabéns a David S. Goyer e os irmãos Chris e Jonathan Nolan. Nunca ninguém ousou tanto num filme "pipoca".
Claro, o que atrai todo mundo é uma sucessão de cenas de ação magistralmente bem-feitas, costurado com um roteiro bem amarrado, cheio de citações e referências, respeitando o que os fãs gostam, e atraindo mais gente para o personagem.
O CoringaO filme é fantástico, gente. Vejam! Heath Ledger esta(va) um Coringa assustador, mesmo com a clara maquiagem (ao invés da corrosão da pele por ácido), cabelo louro levemente esverdeado (e não verde) e piadas um tanto quanto infames. Logo, fugiu (um pouco) da mitologia do personagem. Faltou também o gás do riso, é verdade. Mas talvez tenha sido cortado por não ser palpável a sua produção, assim como Peter Parker no cinema, que secreta as suas teias, e não as produz em um laboratório caseiro (se eu fosse ele, venderia a patente à
3M).
Mas, voltando ao Coringa... Será difícil existir um vilão tão... Assustador como ele. Novos vilões no cinema irão se pautar no trabalho de Ledger: Os traquejos, os tiques nervosos de um homem doente, a risada nervosa, a habilidade para a fuga, os planos de destruição em massa... E o desprezo pelo dinheiro. Como ele mesmo disse, ele é "
um agente do caos", e não está lá muito interessado em algo "
tão indigno quanto dinheiro". Afinal, o que ele gosta (gasolina, pólvora, etc., são baratas!). Citações veladas a "
Asilo Arkham", de Grant Morrison e Dave McKean (que foi uma das graphic novels que o Ledger leu para compor o personagem), e à "
Piada Mortal", do mestre Alan Moore, trazem a nós o seu principal interesse: Provar que a diferença entre um homem são e um louco é apenas um dia ruim. Ou seja, justificar a própria loucura, como foi feito no segundo álbum que citei acima.
Finalmente, faz-se justo o comentário que ouvi: "
O Coringa de Heath Ledger faz o Coringa de Jack Nicholson, em Batman (1989) parecer o Ronald McDonald". Eu diria que lembra mais o
Bozo.
O BatmanBatman não é herói, e o Michael Caine (Alfred) certa vez disse: "
O Superman é como os Estados Unidos se vêem. Batman é como todo o resto vê os Estados Unidos". Ele é um "mal necessário", aquele que será o bode expiatório de uma sucessão imensa de mortes e crimes hediondos, voltando às trevas, daonde não sai mais. Nada de heroísmos, mas ainda acho que ele usa um filtro na garganta para fazer aquela voz rouca...
ReferênciasAlgumas citações aos quadrinhos, ainda que veladas, passaram pelos meus olhos, e lá vão elas:
- O comissário de polícia anterior a Gordon chama-se Loeb. Não é uma citação a Jeph Loeb, escritor das histórias "O Longo Dia das Bruxas" e "Vitória Sombria", por mais que eu achasse que fosse. Mas é uma citação a "Batman: Ano Um", quando Gordon ainda é tenente, e o comissário é um homem corrupto (como quase toda a GCPD).
- O álbum de Frank Miller, "Cavaleiro das Trevas" sempre é referência, mesmo que velada. Os "filhos do Morcego", a gangue que combate o crime vestidos de morcego, são idéia chupada do quadrinho. Com a diferença de que os vigilantes mal-preparados usavam coletes e apanhavam mais do que batiam. Mas causavam alguma apreensão, meio que na onda do morcego.
- O Asilo Arkham é novamente citado, mas apenas uma vez.
- Se reparar BEM no rosto do Harvey Dent, deformado após o acidente que o tornou o Duas-Caras, vão lembrar que os rasgos na bochecha, o olho esbugalhado, a boca aberta, a cor da... "Pele", são exatamente iguais aos dos quadrinhos. Pode comparar que está certo.
- A volta ao anonimato, às sombras. O bat-sinal destruído, o fim da ilusão de que as coisas poderiam ser melhores... Mas não em Gotham. Tem isso em alguma história.
Curiosidades- Ainda não temos bat-caverna, Wayne Manor ainda está em reconstrução. Mas a base passou para o subsolo de um depósito de contêineres. Em algum história (eu não lembro qual) é falado que o Batman tem outras bases espalhadas por Gotham. Pois é... Ainda não temos um super-computador, nem muita demonstração do Batman como o maior detetive do mundo, mas o ambiente já dá a idéia... Embora seja claro demais.
- Lucius Fox, o último dos homens dignos, entregando tanto apetrecho tecnológico para o Bruce. Sim, Lucius virou o armeiro não-oficial do Batman. Quer queira, quer não.
- Vale lembrar que Alfred Pennyworth foi do Real Exército Britânico antes de seguir a "sina" da sua família e tornar-se mordomo de mais um Wayne. A citação dele ao que fez em Burma é bem plausível, embora não seja comprovada.
- A detetive latina que segue Gordon quase todo o filme NÃO é Reneé Montoya, como eu pensei. É outra, Ramirez (eta nomezinho comum para latinos em Hollywood). E há pelo menos um policial que a gente olha e diz: "Ih, olha o Harvey Bullock". Mas é o Detetive Stephens, não é citado o nome.
As atuaçõesTirando Heath Ledger (maravilhoso) e Christian Bale (sou fã do cara), Michael Caine está ótimo, Aaron Eckhart me surpreendeu (a cena dele esmurrando um réu que puxa uma pistola é ótima), mas não lembro se vi algum filme com ele ("Obrigado por Fumar", "Paycheck", "Erin Brockovich", etc). Gary Oldman está muito bom como Gordon. Eu também sou fã do sujeito, tem isso. Morgan Freeman, sempre fenomenal. Agora, a Maggie Gyllenhaal me decepcionou (falo mais embaixo)
A coletânea de frases pescadas do filme é imensa, e a maioria, do Coringa. Se você olhar
a ficha do filme no IMDb, vai ver lá. Mas algumas são memoráveis, e vale sugerir a todos que vejam uma, na 1a cena em que o Harvey Dent aparece. É impagável, assim como várias do Coringa. Uma nota: O nome em português (Cavaleiro das Trevas) ainda é mais sinistro do que o nome em inglês ("Cavaleiro Negro").
A sequência dele em Hong Kong, pegando o Sr. Lau (o contador dos mafiosos de Gotham) é divertidíssima,
e citação do Lucius Fox ao projeto Anzol, da CIA, é válido: O uso de um C-130 modificado (acho que é um MC-130) foi testado sim, pela CIA.
Outra maravilhosa foi a sequência a lá "Tropa de Elite", do interrogatório do Coringa. A sala está escura, Gordon fala com ele, solta as algemas (e ninguém entende), ele fala sandices... Até que o Batman se manifesta, enfiando a cabeça dele (com vontade) na mesa. E ele retruca: "Na cabeça não, a vítima fica zonza...".
Furos
As minhas "broncas" são:
- Colocar o Duas-Caras já nesse filme eu não achei bom, ao contrário de alguns críticos. O que levou Harvey Dent a ser o Duas-Caras? Todo fã sabe da dupla personalidade do Procurador Geral de Gotham City, do seu fascínio pelo número 2 (compartilho em parte, é o único número primo par), e que o acidente que deformou o lado esquerdo do seu rosto libertou esse outro lado. Só que não fica claro isso no filme. A maneira de libertar o Duas-Caras foi apropriada, e mais plausível do que um frasco com ácido jogado por um réu mafioso no rosto de Harvey. A moeda tem um lado cortado à faca, não queimado. São detalhes, e da maneira que ficou, foi mais plausível. Mas mesmo assim, o que ele levou ele a recusar enxertos de pele e analgésicos? O que fez dele um homem que vive na dualidade de pensamentos, e deixando o acaso conduzir a sua vida? Não ficou nada claro.
- A Batpod (Bat-moto) é uma incoerência por si só. Aquela moto é impossível de ser feita. Não tem como virar o guidão! Ela só anda em frente? E fazer com que ela saia do Bat-móvel, daquela maneira... É estranho pacas.
- Aquele "Espantalho" do início do filme, quem era? O mesmo de sempre, o (agora) fugitivo do Arkham, é isso? Também não ficou claro, ao menos para mim.
- Aliás, agora todo mundo sabe a identidade do Batman? Bruce Wayne, Alfred, Rachel Dawers (morta), Lucius Fox (não vai dizer q ele não sabia?), o Coringa (está implícito, quando ele fala da "namoradinha" do Bruce Wayne para o Batman)...
- 30 milhões de celulares captando sons e enviando para um super-computador no Departamento de Pesquisa da Wayne Enterprises, levantando tanta informação e e gerando verdadeiros mapas de sonar... Nada plausível, visto que existem dezenas de fabricantes de celulares, com diversas tecnologias, muitas completamente incompatíveis entre si. E injetar aquilo em TODOS os celulares, ou pelo menos nas Estações Rádio-Base de todas as operadoras de celular de Gotham... Muito improvável. Sem contar que muitos não deveriam estar portando celulares na ocasião. Como policiais da SWAT, por exemplo.
- Ué, Lucius Fox agora é a Oráculo? Ele vai orientando o morcegão, por onde ir, aonde entrar... Isso não era papo da Bárbara Gordon? Se bem que ela é hoje em dia apenas uma garotinha de 4, 5 anos, apenas.
- Um pouco piegas aquele papo das barcas, a dos presos condenados e a dos cidadãos de bem. Claro, ele quis mostrar a dúvida, o medo que leva a pessoa a cometer atos desesperados e que se arrependem depois. Acho que a melhor sequência que eu vi recentemente foi o episódio "Midnight", da 4a temporada do Doctor Who. Não se encaixa em nenhum arco de histórias, mas vale ver para refletir se aquela frase não vale: "O homem é o lobo do homem". Mas o preso jogar o detonador fora... Sei lá, soou forçado a querer trazer alguma esperança.
- Maggie Gyllenhaal tem a sensualidade de um elefante velho. Fraaaaca... Ah, que saudades da baixinha da Katie Holmes, que era charmosa e competente. Essa é apenas um pouco competente. Se bobear, nem isso.
Conclusão
Ouvi comentários curiosos, de psiquiatras e críticos renomados, impressionados com o Coringa, o Batman, o filme em si. E para eles, apenas uma frase: "Bem-vindos aos quadrinhos!". As (boas) histórias são isso e ainda mais. Vai ser difícil fazer filmes baseados em quadrinhos agora. Depois de "Cavaleiro das Trevas", será um degrau acima os próximos filmes de heróis.
PS: Reparem no celular do Lucius Fox, é um Nokia novo, que ainda não tem no mercado (cortesia do podcast Now! Café). Eu sei que é minha impressão, mas a interface é muito parecida com as versões que vi por aí do Android, em particular uma delas. Curioso.