E a gente reclama de pouco...
O filho mais velho tinha um caroço no pescoço, do lado direito, e o pai levou-o ao médico para ver. Exame de sangue, baixa nas plaquetas... Sim, câncer. O menino tem câncer linfático. Ainda está no início, é correr e tratar. A vida dele vira de pernas para o ar: Começa a quimioterapia, o menino perde todo o cabelo (o que é um bom sinal), ele volta da licença médica para o trabalho... Falta o dinheiro, aumentam as preocupações... É hora de achegar-se mais a Deus e à igreja, já que a família, embora numerosa, não ajuda muito. Chegou a mandar correspondência para o Caldeirão do Huck, para ver se no Lata Velha ele ganhava a reforma do carro (um Voyage bem mal-tratado), para poder levar o filho para o tratamento. O menino trata na UFRJ, e ele mora em Bangu (uma distância de 30 km, acho).
É uma luta que parece não ter fim. A gente ajuda no que pode: Periodicamente Cláudia manda uma bolsa de compras, e além das orações, temos oferecido consolo, apoio e amizade. Deus está no controle, e o médico está muito feliz com a caminhada dele. Apesar das quimioterapias que trazem vômitos e muito sofrimento, da radioterapia localizada que ele ainda fará no pescoço (para ter certeza de que esse tumor será definitivamente eliminado), ele está reagindo bem ao tratamento, e a esperança de que até o fim do ano ele só continue na manutenção, que deve ainda acontecer por pelo menos 5 anos. Ele vendeu o que sobrou do Voyage, raspou o fundo do tacho e comprou um Monza. Deu uma ajeitada, fez cabeçote, carburador... E o carro foi furtado. Desgraça pouca é bobagem? Talvez, mas, como ele mesmo diz, foi por Deus que o carro foi furtado e não roubado, porque ele poderia reagir. Afinal, ele é segurança e tem porte de arma. A arma dele foi junto com o carro.
O tempo passou, ele conheceu uma mãe, numa situação parecida com a dele: Sozinha, 2 filhos, o mais velho tratando câncer também. Leucemia, no caso desse menino. Começaram a namorar e caminhar juntos. Ela tem ido também à nossa igreja. Hoje, conversando com o pastor da minha igreja, fiquei sabendo que o filho dela, o que tem leucemia, foi desenganado pelos médicos. No caso dele, não tem jeito. Um transplante de medula não resolveria a situação, embora fosse possível tirar parte da medula dele, tratar e realizar uma infusão. O câncer começou a atingir o pulmão e outras partes do corpo. Agora é a vontade de Deus. E estamos orando.
É difícil olhar para o menino, todo arrumadinho para ir à igreja, e saber que, segundo os médicos, ele vai morrer. Quase chorei hoje, quando o vi saindo do escritório, onde ele, a mãe, o namorado da mãe (esse meu amigo) e mais um presbítero da igreja tinham orado. Esse meu amigo estava com os olhos vermelhos, e os meus se encheram de lágrimas naquele momento. Um dos nossos maiores medos é que, caso aconteça, isso abale o filho do meu amigo, o que tem câncer linfático. Ele já perdeu 3 colegas de quarto nesse tempo de tratamento, e não é nada fácil para nós, adultos. Extrapole para uma criança de 10 anos.
Por mais que saibamos que a vontade de Deus é soberana, ainda nos ansiamos e nos preocupamos. Por mais que queiramos que tudo ocorra na forma que queremos, nem sempre é assim. Lembro-me da oração do C. S. Lewis, pedindo a Deus para mudar o seu coração, e entender a vontade de Deus. No caso dele, Joy Gresham morreu, não teve jeito. É difícil. E, se Deus não curá-lo? Bendito seja o Seu Nome, e bendita seja a Sua vontade. Muitos tem o péssimo hábito de jogar a culpa em Deus para os fatos que ocorrem no mundo. Gente que culpa o Senhor das mazelas e sofrimentos que temos por aqui. Meio que parecido com a idéia do governo como o "pai de todos" (que vem de Getúlio Vargas, a propósito).
E lá é a culpa de Deus para o sofrimento nosso? Como o próprio C. S. Lewis disse: "O sofrimento é o megafone de Deus". Muito fácil falar que não dá para acreditar em Deus com tanto sofrimento no mundo. E eu me pergunto se essa pessoa que está justamente dizendo isso, aceitaria e admitiria ser manipulado por um ser superior, mesmo que fosse para ser o melhor para ela. Eu duvido que a perda da liberdade individual e do livre arbítrio valha isso. Ninguém toparia. Por isso, é fácil argumentar sem argumentos. E enquanto isso, o que podemos fazer é pedir a Deus a Sua misericórdia e a realização da Sua vontade. Porque, por mais que seja difícil aceitar, ela é o que temos para nos agarrar. O sofrimento é o caminho que temos para entender que Deus não é uma esperança, a mais importante, ou a mais certa. Ele deve ser a nossa única esperança. E se não for assim, estaremos fadados a andar em círculos, perdidos, sem saber o que fazer.
PS: E a mãe do menino, ex-esposa desse meu amigo, como está nessa história toda? Olha, pelo que eu sei, não está ajudando em (quase) nada. A vi uma vez lá na igreja, e o menino falou com ela, mas estava distante... Parece que ela agora quer "curtir a vida". O que é lamentável, já que, independente das rusgas que tiveram, o filho não tem nada a ver com isso. Mas, como dizem: "Começou tudo errado, não tinha muito como ir parar em outro lugar."
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